sábado, 19 de novembro de 2011

o jogo


eu tinha algo como quinze,
ela algo como treze e um corpo
já de mulher. eram dias sombrios.
nos víamos todos os dias e ela era
uma espécie de namorada do meu
melhor amigo. moravam no mesmo
prédio, perto da escola. lá que tudo
acontecia depois das aulas.

jogávamos bola, ela descia para
assistir e seus olhos verdes
cuidavam de criar todas as
guerras e desavenças entre eu,
o melhor amigo e um outro amigo.
a princípio foi minha primeira
amizade marcante com alguém do
sexo oposto. logo mais foi aquilo
que me fez perceber o quão enorme
é o abismo que separa o estar a fim
de alguém do estar apaixonado por
alguém.

guerras, guerras. guerras silenciosas,
guerras psicológicas. eram dias
loucos, estranhos, inéditos. digo
espécie de namorada porque eles
nunca tinham sequer se beijado,
então eu e Fernando nos sentíamos
no direito de entrar na disputa de
forma limpa, ou quase.

foi  num dia sentados no hall do
apartamento dela, apenas eu e ela,
que alguém propôs um tipo de
teste. algo como uma prova de
amizade verdadeira. a primeira
amizade verdadeira com alguém
do sexo oposto. a primeira vez
que me enfeitiçam feito um rato.
  
então lá estava ela fazendo caras e
bocas. vem. esse era o jogo. pode
passar a mão. colava a camiseta
nos seios já bem desenvolvidos.
posso? pode! mordia os lábios.
encosta! eu não podia encostar.
pode vir. enchia ambas as mãos,
massageando-os. eu levava as
minhas à cabeça e meu coração
disparava. não é um teste, pode
passar a mão... e eu com o pau
duro feito pedra não tive escolha.
também enchi as mãos, também
massageei. foram os melhores
cinco segundos da minha vida
até aquele momento e eu falhara
no teste.

não lembro de que forma consegui
me desculpar e ganhar uma nova
chance. ela usou basicamente a
mesma tática. vem, pode passar a
mão... isso, encosta! não é um teste...
você quer? pode vir... e, pela
segunda vez, fui derrotado.

o clima fechou. nos levantamos.
ela estava puta, ou fingia estar.
acho que realmente estava, afinal,
de acordo com o resultado da
prova, eu não era seu amigo de
verdade. sugeri que talvez fosse
melhor eu ir para minha casa e ela
concordou.

dias depois, voltamos a nos falar.
junto voltaram as guerras, voltaram
as loucuras, voltaram os jogos.
outros tipos de jogos. jogos inéditos,
jogos psicológicos, jogos muitas 
vezes cruéis. eram dias estranhos.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Ressaca?


Sono agitado. Acorda. A mesma boca seca. Ânsia de vômito. O mesmo desconforto abdominal. Diarreia. Levanta. Espera que sua mãe não esteja no banheiro. Não vai tentar vomitar. As dez da manhã não há mais o que vomitar. Depois de cinco horas todo álcool já desceu e virou merda. Não há mais o que vomitar. Só há a sensação. Mesmo assim senta na privada procurando por um saco plástico em caso de emergência. Diarreia. Sua mãe grita qualquer coisa da sala e ele responde arrastando a fala. Se limpa, lava as mãos, olha no espelho, vai até a sala, bebe água, cai de volta na cama.
            Sono agitado. Acorda. A mesma boca seca. Ânsia de vômito. O mesmo desconforto abdominal. Diarreia. Espera que sua mãe não esteja no banheiro. Não vai tentar vomitar, as onze e meia da manhã não há mais o que vomitar. Só a sensação. Senta na privada, procura o saco plástico. Diarreia e a vista escurece. A já conhecida sensação do pré-desmaio. Destranca a porta para que sua mãe o encontre caso tenha um ataque. Diarreia.
            Tiago, faz um favor? Você pode vir aqui com o carrinho receber um processo que são vários volumes? ... Tá, eu estou recebendo uma documentação aqui, quando der eu vou. Uns dez minutos. Tiago, você pode vir aqui com o carrinho receber um processo que são vários volumes? Tá, quando der eu vou, daqui uns dez minutos. Tiago, pode vir aqui com o carrinho pegar processo? Quando der vou. Tiago, pode pegar processo, Tiago? Tiago! Pode pegar processo? Que porra é essa? Tiago! Agonia. Repetição. Por que caralho pensamento se repetindo dessa forma? Drogas? Cola? Inferno.
            Abre os olhos. Vê o teto e as prateleiras desorganizadas girando e depois parando. Sente bermudas e cueca arriadas. Tontura. Bunda suja. Desmaiei no banheiro! Com um único movimento senta de volta na privada. Olha em volta. A porta destrancada. Certifica-se que não há nenhum rastro de merda espalhado. Tenta imaginar o trajeto que seu corpo fez até o chão. Quais partes bateram em quais móveis? Deduz que foi uma queda silenciosa. Sua mãe continua na sala ou na cozinha a cinco passos dali, sem dizer uma palavra. Imagina ela entrando no banheiro segundos antes e o encontrando estirado no chão sem as calças. Se limpa, lava as mãos, olha no espelho. A palidez característica. Vai até a sala, rapidamente busca açúcar, água e despeja tudo num copo. Mistura com uma colher longa e suja. Bebe. Enche mais dois dedos d’água para dissolver os últimos grãos que sobraram no fundo. Agita, bebe. Sua mãe não está lá, nem na cozinha. Não suspeita de nada. Isso é bom. Cai de volta na cama.
             Sono agitado. Acorda. A mesma boca seca, a ânsia um pouco menor. Algo ardendo no lado direito do rosto. Uma gota de sangue no travesseiro. Passa o dedo no arranhão recém descoberto. Tenta imaginar o trajeto que seu corpo fez até o chão. A cara raspando na máquina de lavar. Por sorte os óculos continuam inteiros. Alcança o copo d’água ao lado da cama e dá dois goles. Muda o lado do travesseiro. Muda o lado do corpo. Dorme.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Casarão – Parte I

Eu já estava quebrado e Alex teve que pagar minha entrada no Casarão. Dez reais com direito a duas cervejas, como anunciava o cara de terno branco e bigode na entrada. Vínhamos de outro bar e já estávamos suavemente bêbados. Pegamos nossos cartões comanda, passamos pela revista e entramos. Alex precisava de um guarda volumes para sua mochila. Fui até o bar, peguei minha primeira cerveja e quando olhei em volta ele havia sumido.
Decidi recostar-me na parede ao lado da porta de entrada e apreciar a música e o movimento enquanto ele não voltava. Era um belo lugar. Ambiente escuro, luzes de discoteca. A primeira garota que me chamou atenção era loira, enorme e andava com um maiô branco atochado no rabo. Digo enorme em todos os sentidos, era o maior e melhor rabo que eu via na minha frente nos últimos meses, se não anos, e tinha uma linda marquinha de biquíni. Mas eu não estava disposto nem em condições monetárias de consumir garota nenhuma essa noite, de forma que apenas apreciava o movimento.
Mesmo estando num prostíbulo, de quando em quando me sentia mal, achando que não pegaria bem se me vissem secando aquela bunda grande e gorda sem parar. Então me continha, olhava em volta, dava um gole na cerveja. No balcão do bar uma lésbica baixa e gorda, com voz e jeito masculino se apresentava para um outro cara apertando sua mão. Achei aquilo engraçado de certa forma. Não pude ouvir o nome dela. Então meu olhar era atraído novamente para a bunda do maiô branco, que agora se localizava apenas dois passos à minha direita e tornava mais difícil disfarçar. Os pensamentos ruins voltavam, eu dava um gole na cerveja, olhava para o bar, reparava um pouco nas outras garotas, e o ciclo se repetia.
Eis que a porta utilizada pelas putas para subir e descer as escadas que levam aos quartos se abre, deixando escarpar uma luz brilhante e vermelha, e Alex sai dela em minha direção.
- É um guarda volumes muito bem organizado. É enorme, e é lá que todas as putas guardam suas bolsinhas. Fui lá e tinha umas três guardando as coisas.
Alex era um tipo estranho. Formado em física, cursava economia, nunca tivera um emprego e conhecia todos os puteiros da cidade. Apontei para a garota do maiô e comentei que era a mulher mais gostosa do mundo. Ele concordou.

Telões exibiam filmes pornôs. Um cara sentado numa espécie de van, em movimento, e três mulheres chupando seu pau. Um endereço eletrônico era exibido na parte de baixo da tela.
- E você pode se inscrever para participar! – disse Alex.
- Quê?
- Você se inscreve no site e te chamam para participar do filme.
- Sério?
- Sim.
- E você se inscreveu?
- Não. Ainda.
Aí me lembrei que um outro amigo meu já tinha comentado comigo sobre esse lance. Ele tinha feito a inscrição. Achei aquilo engraçado. Pensei um pouco no assunto e então fomos andando para a parte mais interna do local.
Só então reparei o quanto o lugar estava vazio. Muitas mulheres, poucas roupas. Alguns caras bebendo em pequenos grupos, outros se esfregando com alguma rapariga nas paredes, conversando e dando risadinhas como casais de namorados. Como há solidão nesse mundo. Mas confesso que senti um pouco de inveja desses caras. Nenhuma mulher olhava para nós.
Sentamos. Terminei minha cerveja e aí comecei a achar aquele clima bem agradável. Imaginei-me vivendo todos as noites naquele lugar, formando círculos de amizade duradouros com as garotas e com os frequentadores assíduos. Rindo, bebendo, sendo chamado pelo nome. Elas deviam ser felizes apesar de tudo. Aquilo me parecia muito melhor que qualquer merda de escritório.
- Você acha que elas têm uma espécie de faro para distinguir aqueles que têm grana daqueles que não? – perguntei à Alex.
- Com certeza, meu caro.
- Hmm...interessante.
- Isso aqui está realmente vazio! Tem muito mais mulher do que homem, não estou me sentindo à vontade!
- Você é gay!
Fui dar uma mijada. Voltei e ficamos mais um tempo sentados, olhando em volta em silêncio. Então a sapatão que eu tinha visto mais cedo no bar apareceu de repente e se dirigiu a nós.
- Vocês vieram para ficar só olhando ou vão subir com alguma?
Não lembro o que Alex respondeu, mas se mostrou bastante interessado na conversa.
- Eu conheço uma morena nota dez. – continuou a lésbica - Se quiserem apresento pra vocês. Mas assim, precisa fechar o programa. Não é pra ficar só conversando.
Aí me enchi o saco daquele papo e levantei pra pegar minha segunda cerveja. Era só uma cafetina jogando xaveco pra ganhar o dela. Nunca tive paciência pra essas coisas. O garçom me serviu prontamente. Abri a lata e dei um ou dois goles. Virei-me em direção ao banco onde estávamos e ambos haviam sumido. Maldição! – pensei - É só eu pegar uma maldita cerveja que o filho da puta some!

Continua...

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Safira


eu me sentava na beira do palco no intervalo
dos shows. “dá licença, gatinho”, ela disse
e me afastei, deixando um espaço pra ela
se sentar entre mim e a outra garota.
“vou subir no palco, gatinho, dá licença.”
só então entendi o que ela queria e abri
mais espaço. ela subiu assim, no improviso,
sem nenhum tipo de anúncio para o maior
show de strip da história.

morena cavaluda, enorme. peitos gigantes,
pele clara, olhos verdes, cabelos pretos
lisos e a maior e mais perfeita bunda
do recinto. vestia um biquíni vermelho
atochado no rabo. segurou no poste
e começou sua dança.

homens se acumulavam à frente do palco
as luzes eram loucas, o som era selvagem.
ela se curvava empinando a bunda e ouvia-se
os gritos e assobios. todos estavam em transe
e sua bunda rebolava a dois palmos de distância
de nossas caras.

com ela não tinha frescura, nenhum segurança
afastava ninguém. quando ela se virava
passávamos a mão à vontade e aquilo era
revigorante. a princípio timidamente, então na
quarta ou quinta virada lá estava eu atolando
as duas mãos, uma em cada nádega, e ela sorria.
era minha primeira ereção completa naquela
noite.

sua pele era fria e extremamente macia, os
dedos deslizavam por ela como manteiga.
era genial, genial. uma bunda genial. digna
de Van Gogh ou Da Vinci.

todos acotovelavam-se para ter um segundo
de prazer. “não perca território, não perca
território” eu dizia à meu amigo. estávamos
no melhor lugar possível. lembro-me que em
alguns momentos eu olhava todos aqueles
homens e pensava “deus, isso não vai dar certo,
vão estuprar a pobre garota”. nem sempre é
fácil reprimir seus instintos.

o tempo pareceu parar. era a eternidade.
simplesmente genial. ela se aproximava
novamente, abaixava de costas até o chão
e eu atolava a mão nela, dessa vez mais para
baixo, sentido por trás sua bucetinha quente.
ela empurrava meu braço, dizia algo num tom
de reprovação e continuava.

aquilo ia longe, a dança, o som, os gritos.
eu realmente não me importaria se durasse
pra sempre. outra garota subiu no palco e
passaram a dançar juntas. mas qualquer
mulher era invisível ao lado de Safira.
passávamos a mão na outra olhando para
Safira. rezávamos para Safira voltar para
o nosso alcance. ela vinha, eu alisava a
bunda mais gostosa do universo, ela se
afastava, ela vinha novamente, eu não
resistia e tocava sua chaninha, ela repetia
o ato e a fala de reprovação e eu me sentia
um pouco mal.

o mais impressionante é que ela não havia
tirado praticamente nenhuma peça de roupa
até aquele momento. não precisava disso para
manter todos babando. passou então a fazer
menção de tirar a parte de cima do biquíni.
delírio geral. seus peitos eram dois lindos melões
que quase equiparavam-se a seu rabo.

eis então que ela vem e para em minha frente.
olhando em meus olhos e sorrindo, abaixa-se.
segurava os melões. começou a abrir o fecho
do biquíni e segurou-me pela nuca. fiquei cara
a cara com aqueles dois monumentos. por um
breve instante afastou a peça para o lado,
deixando tudo à mostra. o resto do mundo
deixou de existir e não restou-me outra opção
a não ser passar a língua naquele doce e rosado
mamilo.

ela riu, afastou minha cabeça rapidamente,
recolocou a peça e dirigiu-se ao poste. ouvi
gritos, urros, “caraaalho” berrou o cara atrás
de mim. podia sentir o cheiro da inveja. “morra,
morra”, disse Alex apontando-me o dedo. mas ao
mesmo tempo todos estavam felizes. felizes por
aquela mulher ser tão safada e gostosa. a sensação
era boa. eu estava nas nuvens, já podia morrer em
paz. fiquei assim meio aéreo sentindo tudo aquilo
e admirando o restante do show quando ela
finalmente saiu pela porta branca atrás do palco e
tudo acabou.

tenho certeza absoluta que após a performance
ela poderia facilmente cobrar 500 paus por
aquele rabo que não faltaria clientela. e eu sem
um puto. houveram outros shows, mas era como
contentar-se com o purgatório depois de uma
visita ao céu. fomos embora de lá pouco tempo
depois.

Alex me pagou uns espetinhos de carne no bar
ao lado. eram quatro e quarenta da manhã. então
ele subiu a Augusta em direção ao metrô e eu
segui a pé rua abaixo. foi isso. chegando em casa,
bebi um copo d’água, troquei de roupa, toquei uma
e dormi.

sábado, 23 de julho de 2011

sítio

na primeira madrugada no sítio bebemos.
fomos dormir às 8h30. às 10h15 acordei
tremendo de frio, com gazes, movimentos
e sons intestinais. alcancei no criado mudo
a garrafa plástica com água que escapou da
minha mão mas peguei-a de novo no ar, fazendo
barulho. o cara que dormia na cama ao lado
levantou-se num susto e voltou a dormir sem
dizer nada dois segundos depois.

dei dois goles, me arrastei até o banheiro
e sentei no assento frio da privada.
cinco minutos mais tarde, lavando as mãos
na água gelada, vi meu reflexo pálido
e meu queixo batendo.

na cozinha a torneira fazia um ruído mas não
jorrava água. fucei um pouco e encontrei um
saco de açúcar aberto com cheiro de pó de café.
tentei a parte da torneira que não filtrava mas
nada saía de lá também.

voltei ao quarto, peguei a garrafa d’água e
levei pra cozinha. achei um copo, não achei
colher, achei um garfo sujo e usei-o para
colocar açúcar no copo. joguei um pouco de
água por cima, balancei e bebi num gole só.
sobrou um pouco de açúcar no fundo, joguei
mais água e bebi.

fui pra cama e tentei dormir. após dez minutos
continuava tremendo. peguei um lençol, ajeitei
por baixo do cobertor mas não adiantou muito.
decidi então fazer uma busca nos outros cômodos
e logo achei um belo dum edredom no quarto
de cima. levei-o pra baixo e finalmente parecia estar
suficientemente aquecido quando deitei. fechei os olhos.
os movimentos e sons intestinais continuavam.

domingo, 10 de julho de 2011

poesia


computador ligado
novo documento, em branco,
a luz do monitor já começa a incomodar.
copo e lata de cerveja
da marca mais barata
do mercado 24 horas da rua paralela.

nunca nem fui de beber.
a maldita diarréia
provavelmente vou morrer disso
mas já nem me importo mais
ao menos não como antes.
o mundo precisa parar de esconder
toda essa merda.

todo mundo caga
mas você vai num maldito bar
e a porta não tranca e
nunca tem papel.

o documento
não está mais em branco.
o que acontece agora é que
eu salvo e posto esse lixo
em algum lugar. depois
leio os comentários. ou não.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

dias iguais

passo pela porta de entrada às dez e dezesseis
dou bom dia à moça da portaria
dou bom dia ao segurança
aperto o botão do elevador
nenhuma luz verde acende
e logo paira a dúvida
“apertei o botão forte o bastante?”.

novamente atrasado
pontualmente atrasado.
aperto outra vez e aguardo de mochila nas costas
sempre bate uma leve impaciência.

quando entro aperto o sétimo
quando saio passo pelo corredor
e dou de cara com minha porta trancada.
é raro, mas as vezes sou o primeiro a chegar.
aí tenho que tirar a mochila e buscar a chave.

meus dedos nunca parecem suficientemente hábeis.
por um instante odeio aquela chave minúscula
que se esconde naquele minúsculo bolso lateral.

meu horário é às nove
às dez e dezenove a porta está aberta.
mal guardo a mochila no armário
um dos telefones começa a tocar
não atenderei dessa vez.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Polícia

            Eu tenho essa mania de andar o mais rápido possível pelas ruas do Centro. Sou bom nisso, de verdade. Desvio de multidões. Trabalhadores, velhas, pastores, vendedores, mendigos, panfleteiros e tantos outros. Fico meio impaciente pensando no tempo de vida que se perde se locomovendo. Uma vez li uma matéria que calculava quanto tempo a gente perde fazendo coisas banais, tipo escovar os dentes, pegar o elevador, encher um copo d'água. Já parou pra pensar que a gente passa uns dez anos da vida enchendo a porra dum copo d'água? É deprimente. 
            Tem vezes que eu começo a contar quantas pessoas eu ultrapasso quando estou andando rápido na rua. Isso me dá a sensação de que aproveito minha vida muito melhor do que todas elas. Imagino que com a soma de todos os minutos diariamente economizados dá tempo de ler um livro inteiro. Ou muitos livros inteiros. Depende de quantos dias a gente vai levar em consideração no cálculo. Mas eu nunca contabilizo nada direito. Começo a contar quando já estou na metade do caminho e paro de repente porque esqueço, começo a pensar em outra coisa ou algo do tipo.
            Uma coisa que me irrita profundamente é quando você está na rua andando o mais rápido possível e então tem que diminuir o passo porque duas velhas te fecham. Geralmente são baixas e estão acima do peso. E geralmente cada uma leva uma sacola horrível e colorida em uma das mãos. Após te fecharem elas começam a andar devagar. Vão andando, andando, devagar, devagar, parando, parando e então param. Puta merda, isso me irrita. Acho que eu preferia que elas tivessem um ataque cardíaco e caíssem de canto no meio fio. Assim eu poderia seguir viagem num ritmo decente. Não que elas fossem más pessoas nem nada do tipo, mas aquilo de andar devagar e parar me irritava profundamente.
            Pois bem, lá ia eu andando rápido pra diabo, com gente lerda atrás, na frente e dos lados. Pode não parecer, mas o lance da ultrapassagem exige uma certa habilidade. Você faz cálculos o tempo todo. Coisa de tempo e espaço. Claro que é um lance mais instintivo e tal, mas não deixa de ser uma habilidade. O que aconteceu é que num determinado momento as lesmas na minha frente eram dois policiais militares. E eu tava meio cansado. Não tava me concentrando cem por cento na coisa dos cálculos. Eis que dou um pisão na parte traseira da bota de um deles. Podia ter pisado em alguma velha, mendigo ou qualquer outro, mas foi justo na porra do guarda. E foi um baita dum pisão, acertou em cheio mesmo. Se ele estivesse de tênis o pé teria saído pra fora, tenho certeza. Talvez eu até desejasse aquilo no subconsciente ou algo assim. Ter dado o pisão, eu digo. Não gosto muito de policiais. Só sabem encher o saco dos outros e se acham superiores. Eu preferia mil vezes um dia vir a me tornar um ladrão de bancos do que a porra dum policial. Nunca vi nenhum ladrão de banco encher o saco de ninguém. Vai lá, faz o serviço dele e pronto. Ninguém sai prejudicado. Na verdade o banco sai levemente prejudicado, mas precisa ser muito imbecil pra ter alguma pena desses filhos da puta. A polícia é paga pra encher o saco.
            - Foi mal - falei timidamente após o pisão e continuei a andar. Houve então um silêncio que durou pouco.
            - Vem aqui e se desculpe como homem, moleque - foi o que o filho da puta disse. Em voz alta. Acho que todas as velhas, pastores e panfleteiros pararam pra olhar em nossa direção. Ele realmente não precisava ter feito aquilo.
            - Vai tomar no cu! - disse eu então.
            Não sei porque eu disse aquilo. Vai ver foi simplesmente porque eu tava meio cansado e não gostei nem um pouco daquela reação escrota dele. Na hora pareceu um lance bastante corajoso e tal, o pessoal ficou impressionado. Tenho certeza que ficou. Era um cara moreno de físico respeitável. Devia ser meio metro mais alto do que eu. Usava um cabelo igual ao de qualquer policial. Mas qualquer impressão de coragem que eu tenha deixado durou pouco. Vi o guarda fazer menção de me pegar, me prender, me bater, sei lá eu, e disparei pela Rua São Bento. Saí correndo feito um maluco mesmo, de verdade.
            Tive que usar minhas habilidades mais do que nunca. Andar rápido naquela joça entupida de gente já era complicado, imagina correr alucinadamente. Mas até que não me saí mal. Modéstia à parte, me saí muito bem. Não cheguei a dar nem um esbarrão em ninguém, de vez em quando eu encostava com a mão no ombro ou no braço de alguém pra ter melhor noção de espaço e indicar à pessoa que eu estava imediatamente atrás dela e ela devia então se afastar levemente ou no mínimo ficar onde estava e não me fechar. Desviei de um, dois, três, velha, padre, pedinte, desviei da caralhada toda. Aí aconteceu um lance meio chato. Tinha um cara que era anão e meio aleijado. Se locomovia sentado num skate, empurrando o chão com a mão. Ele tava bem no meio da rua, mas acontece que só fui ver ele a um metro dos meus pés. Não deu tempo de desviar nem nada, só dei um pulo por cima da cabeça do anão e por pouco não acerto o coitado com a sola do tênis. Aterrissei meio desequilibrado no chão e continuei correndo. Puta merda, a rua inteira me olhava como se eu fosse um maluco. Ainda bem que não acertei o coitado. Ele podia ter se esborrachado no chão ou algo do tipo. Aquilo teria me deixado deprimido pra diabo.
            Por fim resolvi virar na segunda rua à esquerda pra despistar os guardas. Mas antes disso dei uma olhada pra trás pra ver a que distância eles estavam. Os dois iam andando tranquilamente quase no mesmo lugar em que comecei a correr. Não deu pra ver direito, mas me pareceu que o que eu acertei o pisão estava até sorrindo. Olhando em minha direção. Filho da puta. Deve ter se esbaldado. Polícia é uma merda.
            Depois que entrei nessa outra rua, diminuí o passo. Uma espécie de mendigo barbudo, de casaco verde surrado veio andando rápido em minha direção. Ele me encarava. Arregalou os olhos e soltou um grito esganiçado, parando bem na minha frente. Levantei a guarda no reflexo. Minha adrenalina ainda estava meio alta e achei que aquilo tivesse alguma relação com o evento do pisão no guarda. Quando vi que ele não fazia mais nada, além de ficar lá parado me olhando com os olhos arregalados, baixei a guarda e continuei andando, pensando em qual rua viraria para despistar de vez os tiras sem desviar muito do meu caminho.

domingo, 12 de junho de 2011

Uma última vez – Parte I

O corpo estava lá. Morto. Sem vida. Branco. Muito mais branco. Quase verde. Mas linda. Ainda linda. Cabelos longos, lisos, loiros. Pensou em beijá-la e entrar nela uma última vez. “Não”. Um beijo no rosto e outro na testa. Foi tudo que fez.
Era o último contato. Aquilo tudo iria sumir. Pra sempre. Aquilo tudo deveria sumir. “Como?” Era melhor pensar rápido.
A cadeia devia ser uma merda. A cadeia no Brasil devia ser uma puta de uma merda. Em outros lugares não. Devia ser até legal. Europa. Noruega. Mas no Brasil, pff.
Foi o momento que mais desejou ter um diploma. Curso superior. Ainda existia esse benefício? Cela especial? Ouvira falar certa vez que a mordomia iria acabar. “Será que já acabou? Pouco importa. Não fiz essa merda”.
Cagar na frente dos outros. Limpar-se na frente dos outros. Esperar todos dormirem pra bater uma. Por mais terrível que fosse tudo isso, nada seria pior que mijar na frente dos outros. Simplesmente porque travava. Podia estar com a bexiga explodindo. Se tivesse alguém do lado não mijava. Não tinha jeito. Era o inferno. Seria o inferno. Tinha que se livrar dela logo.
Por onde começar? Teria o google a resposta? “Como se livrar de um corpo sem deixar pistas”. Hoje em dia tinha tudo na porra da internet. Mas isso? Não, impossível. Demoraria muito pra achar algo realmente serio. E mesmo que achasse, se a polícia investigasse a fundo seu computador ia ser a coisa mais ridícula da história. Imagina a manchete no jornal: “ASSASSINO PESQUISA NO GOOGLE MELHOR FORMA DE SE LIVRAR DO CORPO DA NAMORADA”. Puta que o pariu.
Mas a polícia não devia ser tão fodona quanto a TV dizia. Aquilo provavelmente só servia pra amedrontar as pessoas. Alguém já ouviu falar em polícia colhendo e identificando impressão digital no mundo real? Mas nem fodendo (Só pra constar, programa do Datena não é mundo real). Coisa de filme americano. Depois o Datena copiou.
Em quanto tempo um corpo começa a cheirar mal? Em quanto tempo os vizinhos sentiriam? Seria possível vedar as portas e janelas para que nenhum odor saísse dali? Passar um “bom ar”?
Tudo seria mais fácil se morasse numa casa. Sumir com um corpo num apartamento, com gente em cima, em baixo e dos lados era de foder. Por sorte passou a vida ouvindo música quase no talo sem que nenhum vizinho reclamasse. Isso era bom. Ia precisar fazer algum barulho. Lembrava-se de quando ia dormir no apartamento de amigos quando era criança. Qualquer peido que você desse depois das vinte e duas horas era reclamação na certa.
Ela não tinha família, não tinha amigos, não tinha emprego. Quem daria conta da falta dela? Mas era gostosa. Tinha aquelas olheiras eternas, aqueles lábios rachados, mas um puta rabo. Era o suficiente. Algum filho da puta com certeza daria pela falta dela. Do rabo dela.
Então seus pensamentos se dividiram, no melhor estilo Gollum. Aquilo acontecia no mundo real.
- Ok, que eu faço?
- Calma.
- Fodeu.
- Calma.
- Tá, calma.
- O ideal seria triturá-la. Fazer uma vitamina de tudo e despejar descarga abaixo. Seria perfeito.
- Pois é, mas esse liquidificador não mói nem gelo direito, que dirá ossos.
- É. Também não daria muito certo passar 24 horas com ele ligado, chamaria um pouco a atenção dos vizinhos.
- Pois é. Fodeu.
- Calma.
- Será que rola dar descarga pedaço por pedaço? Dedo por dedo, orelha por orelha(...)
- Se essa merda entupir fodeu.
- (...)olho por olho, dente por dente(...)
- Como vai fazer com a cabeça, pernas? Fêmur. Fêmur é complicado.
- Puta merda, nem me fale.
- E o tronco? As tripas, intestino, estômago, esôfago?
- Esôfago?
- É, pâncreas, tudo isso. Vai ser uma bela sujeira, acha que vai ter sangue frio o suficiente?
- Isso vai levar tempo.
- Tú só tem faca de requeijão! Como vai fazer essa porra?
- Tem umas de serrinha aí também. Qual será a que minha mãe usava pra cortar frango? Acho que é um machadinho, tipo de açougueiro.
- Machadinho?
- Uma parada de açougueiro, não sei o nome. Deve servir. Espero que esteja afiado.
- Espero que você encontre.
- Em quanto tempo isso vai feder?
- Não sei, dois, três dias? É melhor ficar acordado, lutamos contra o tempo. Uns energéticos cairiam bem.
- É, depois eu compro.
- E então. Como vai fazer?
- Acho que precisamos de outro plano.
- Também acho. Leve-a para outro cômodo, não vai dar certo trabalhar na sala, vai ser uma bela sujeira!
- É.
Arrastou-a pelo corredor segurando pelos antebraços. Abriu a porta do banheiro. Levou-a para baixo do chuveiro, ajeitou-a cuidadosamente sentada no chão com as costas apoiadas na parede. Tirou uma mecha de cabelo de seus olhos. Levantou-se e se deu conta que precisava cagar. Estava ansioso, não queria perder nenhum minuto. Saiu do banheiro, deu cinco passos no corredor tentando se concentrar, esperando que a vontade passasse. Não passou. “Merda”. Foi para a privada. Abaixou as calças. Sentou.
- Temos que tirá-la daqui.
- De acordo.
- Poderíamos dividir em cinco partes. Cabeça, tronco e membros. Duas pernas, dois braços...digo, seis partes!
- E então?
- Então damos um jeito de tirar ela daqui. Acho que a cabeça e os braços cabem numa mochila comum. Não sei se as pernas caberiam junto, acho que não. Se não couber colocamos separadas em outra mochila comum. O tronco deve caber numa mala dessas de viagem. Ela tem o quê, sessenta quilos? Sem pernas, braços e cabeça, hmmm...quarenta quilos, quarenta e cinco talvez?
- Não sei, merda! Assassinos profissionais são pegos o tempo todo, eu não sei nem se vai sangrar quando eu começar a cortar, nunca cortei um maldito bife cru! Tô fodido!
- Calma! Talvez sangre um pouco, talvez. Precisamos de plástico, muito plástico! Ou melhor, aqueles sacos pretos de lixo. E barbante! Anota ae!
- Ok, terminando aqui eu anoto. Energéticos, barbante e sacos de lixo.
- Preto!
- Claro, preto(...)
- Quantas mochilas temos? Temos umas malas de viagem também, né? Acho que não precisaremos comprar nada disso.
- É.
- Mas uma ajuda para transportar as malas carregadas iria bem. Conhece alguém de confiança?
- Não.
Terminou de cagar, mas ficou ali sentado. De onde estava dava para ver apenas as pernas dela. Nuas. Esticou o pescoço e viu um pouco mais. Viu suas coxas. Brancas, lisas, perfeitas e a parte lateral de sua bunda enorme. Ficou excitado. Limpou-se, subiu as calças, deu a descarga. Lavou as mãos. Secou. Foi até ela. Novamente arrumou uma mecha de  cabelo que caia em seu rosto. Tocou um de seus seios. Abaixou-se e apalpou-o melhor. Sentiu-se inquieto. Seu pau latejava. Estava prestes a estourar a calça. Lambeu e chupou o mamilo de seu seio esquerdo. Era o seu favorito.
- Ah, que se foda! Uma última vez.
Levantou-se, tirou a camiseta, deixou em cima da máquina de lavar. Tirou a calça e a cueca, chutou ambas para o canto do chão. Pensou em como faria. Pegou-a por debaixo dos braços, e começou a levantá-la. Ela escorregou de suas mãos, batendo com a cabeça na parede. “Merda!” O peso era muito maior do que esperava. Chegou mais perto, abaixou-se melhor e conseguiu levantá-la. Encostou-a com as costas na máquina. Tentou, mas não conseguiu penetrá-la. Seus joelhos ficavam se dobrando e ela despencava para frente e para baixo. Pensou em como aquilo seria dez vezes mais fácil de ser realizado na cama. Mas por algum motivo achava essa ideia inconcebível. Que tipo de pervertido comeria uma pessoa morta na cama?
Sentou na privada e acomodou-a em seu colo. A ereção continuava a mesma. Finalmente conseguiu encaixar. Ela continuava maravilhosa. Aconchegante e por incrível que pareça, molhada. Estava gelada e ele gostou daquilo. Era diferente. Agarrou sua bunda com força com as duas mãos. Deu quatro, cinco, seis bombadas e desistiu novamente da posição.
Deitou-a de costas no chão e encaixou novamente. O chão estava frio e bastante úmido. Seus joelhos contra ele doíam, mas de certa forma também gostava disso. Fechou os olhos e continuou. Beijou-a apaixonadamente. Meteu, meteu. Estava um pouco nervoso e depois de sete minutos gozou. Respirou. Pensou em desculpar-se mas logo se deu conta da idiotice que seria aquilo.
Levantou-se. Puxou um pedaço de papel higiênico e limpou o pau. Jogou o papel na privada e não deu descarga. Puxou a garota para baixo do chuveiro novamente e arrumou-a sentada na mesma posição que estava antes. Vestiu-se.
- Vamos mesmo cortá-la em pedaços?
- Tem ideia melhor?
- Acredito que depois que a cortarmos o processo de decomposição vai acelerar. Seria bom se já tivéssemos todos os passos seguintes cuidadosamente planejados pra não perdermos tempo depois.
- Precisamos dar um jeito de jogá-la em alto mar. É a melhor saída.
- Alto mar!?
- É, você tem noção do tamanho do oceano? É grande pacaralho, bicho! Se dermos um jeito de amarrar uns pesos e jogá-la bem fundo(...)
- Mas(...)
- É infalível, confia, tô falando! Eu vi n’os Sopranos. Sempre que o Tony(...)
- Eu sei caralho, também vi os Sopranos! Mas o Tony tinha uma lancha, iate ou coisa assim se não me falha a memória. Como caralho eu vou chegar em alto mar com a porra de um corpo e cheio de peso extra?
- Dá-se um jeito.
- Que jeito? Nem carro eu tenho. Sugere que eu pegue um busão pra Santos sozinho com três malas cheias de pedaços humanos em sacos de lixo preto?
- Amarrados com barbante.
- Que seja.
- Você pode ir comendo laranja durante o trajeto!
- Quê?
- Conheci um cara que uma vez tava voltando do Rio pra São Paulo de ônibus. Ele levava maconha numa mochila. Muita maconha! E segundo ele, era um tipo de maconha que vem mais solta que o normal e sobe uma marola dos infernos. Tudo certo, até que em uma parada um policial entrou e sentou no banco exatamente ao seu lado. Ele, como era de se esperar, gelou. Ficou lá sentado torcendo pra chegar logo e tentando não demonstrar que estava se borrando. Alguns longos minutos se passaram até que em uma outra parada ele teve a genial ideia de descer e comprar meia dúzia de laranjas de um ambulante. Voltou pro seu lugar, tirou uma faquinha da mochila e seguiu descascando e comendo as laranjas durante todo o restante do trajeto. O cheiro de laranja empesteou o ambiente e ele seguiu sua vida despreocupadamente.
- Tá, caralho, eu vou comendo a porra da laranja! Mas e o resto? Como vou levá-la sozinho no metrô, no ônibus e na porra de um barco que não faço a mínima ideia de onde encontrar, nem de como funciona? Em três malas, com peso extra(...)
- Acho que o peso você poderia comprar por lá.
- Tem razão. Umas correntes de ferro, né? Algo assim?
- É! Ah, acho que seria bom você arrancar ao menos todas as peles da ponta dos dedos dela. E todos os dentes. E jogar descarga abaixo. Vai dificultar bastante o reconhecimento do corpo caso algo dê errado. Pode fazer isso agora até. Essa parte não vai causar grandes estragos.
- Boa!
Foi até a cozinha procurar uma faca que servisse para realizar a tarefa imediatamente. Acendeu a luz. Abriu uma gaveta e só viu panos de prato. Algumas baratas correram. Abriu a próxima gaveta, começou a remexer os talheres e tomou um susto. Trililirililirilriiliiim. Soou o interfone na cozinha. Trililirililirilriiliiim. “Merda” pensou. Trililirililirilriiliiim. “Fodeu” pensou. Trililirililirilriiliiiiim.
- Alô.
- É...Tiago?
- Eu.
- Tiago, tem um senhor aqui que diz que é da polícia querendo subir aí.
- (...)
- Tiago?
- Oi, alô!
- Tem um senhor aqui da polícia querendo subir aí.
- Ah, ãhm...tudo bem. Pode subir.
- Falou.
- Falou.
No mundo real o porteiro anunciava a polícia pelo interfone.

Continua...

terça-feira, 17 de maio de 2011

os grandes artistas

os grandes artistas são drogados
tomam ácido, cheiram pó
injetam e fumam outras coisas.

mas que posso eu fazer
se com três tragos num maldito baseado
eu vejo o mundo em seguidos replays
enfrento o diabo
entendo deus
fico preso no inferno
entro e saio da matrix
acredito na bíblia
penso em pregá-la
sou vítima de um plano conspiratório
passo quarenta minutos dando voltas ao redor de uma mesa
sem o menor controle sobre meus passos?

os grandes artistas são drogados
tomam ácido e cheiram pó.

mas que posso eu fazer
se com três tragos num maldito baseado
eu vejo o mundo em seguidos replays
enfrento o diabo
entendo deus
fico preso no inferno
entro e saio da matrix
acredito na bíblia
penso em pregá-la
sou vítima de um plano conspiratório
passo quarenta minutos dando voltas ao redor de uma mesa
sem o menor controle sobre meus passos?

os grandes artistas são drogados
injetam e fumam coisas.

mas que posso eu fazer
se com três tragos num maldito baseado
eu vejo o mundo em seguidos replays
enfrento o diabo
entendo deus
fico preso no inferno
entro e saio da matrix
acredito na bíblia
penso em pregá-la
sou vítima de um plano conspiratório
passo quarenta minutos dando voltas ao redor de uma mesa
sem o menor controle sobre meus passos?

o álcool me dá diarreia.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Um homem deve fazer o que ama

Noite poluída. Aline e Carlos. É ela quem quebra o silêncio:
- E então?
- Oi.
- Que faremos?
- Que faremos sobre o quê?
- Sobre o dinheiro, o quê mais?
- Sobre o dinheiro...
- É. O quê faremos sobre o dinheiro?
- Você nunca está satisfeita.
- Você prometeu.
- Eu sei.
- Não podemos continuar assim, você sabe.
- Eu sei.
- Não perdoarão mais um mês de aluguel, você sabe.
- É.
- É o quê, Carlos!? O quê você fará? Só vejo você nesse maldito computador a noite toda. Estagnado no seu empreguinho de manhã e de tarde, e de noite esse maldito computador. Já faz três anos, você prometeu não se acomodar.
- Lá vem você com esse tom de voz.
- Você está numa boa, né? Não dá a mínima se amanhã ou depois nos jogarem no olho da rua e tenhamos que ir viver num cortiço qualquer, numa favela.
- Tendo banda larga não vejo do que reclamar.
- O quê!?
- Estou brincando.
- Sim, esse é problema, você está brincando. Está sempre brincando! Não vê que isso é sério. Eu não sei o que ainda estou fazendo com você, sinceramente.
- Você me ama.
- Infelizmente.
- Amor, você pode não perceber ou não acreditar, mas eu estou me esforçando.
- Há, claro!
- Mês passado ganhei quatrocentos e setenta dólares jogando. É mais do que ganho na Secretaria.
- É e no retrasado perdeu trezentos e dez, e no re-retrasado perdeu umas cinquenta horas para nada. Absolutamente nada! Valeria muito mais se você tivesse passado essas malditas cinquenta horas vendendo amendoim na rua. Como viveremos assim?
- Um homem deve fazer o que ama.
- Não acredito que estou ouvindo isso. Você nem ao menos vai à clubes de poker profissional, você fica nessa maldita internet, parece um pré adolescente jogando RPG. Esses sites devem ser a maior enganação de trouxas que existe no mundo moderno.
- O Pokerstars é um site confiável. Já discutimos isso aquele dia. Você concordou comigo.
- Ok, eu concordei. Mas já faz uma eternidade que você tenta isso e não consegue droga nenhuma. Além disso, só vejo você jogar no máximo duas horas de todo o tempo que você tem livre. No resto você fica fazendo absolutamente nada na internet. Minto, você fica correndo atrás de piriguetes em redes sociais.
- Para com isso.
- E fica tentando fazer sucesso com aquela bandinha ridícula(...)
- Não é uma banda, é um projeto! E você está me ofendendo.
- Claro, me desculpe. Você é um artista. Se não é poker, é música, bandas, digo, projetos. Se não é isso são contos, filmes(...)
- Nunca fiz um filme.
- Até agora não, mas passa grande parte da vida assistindo esses DVD’s que seus amigos te gravam. Pura perda de tempo. Carlos, eu não ligaria se você realmente corresse atrás de um sonho. Mas acontece que você não sabe o que quer! Você quer fazer tudo, você faz tudo e não se aperfeiçoa em nada! Não acha que seria uma boa pelo menos voltar a prestar concursos? Quem sabe você não arranja algo melhorzinho e assim pode ter mais tranquilidade para tentar seus projetos paralelos que você tanto ama.
- Pff, concursos. Isso sim é o maior engana-trouxas do mundo moderno.
- Mas você já passou em um. E mesmo sendo um salariozinho ridículo, nos ajuda muito mais que seu poker e suas músicas. Admita!
- Foi pura sorte, aquele lugar é a maior bizarrice que existe, acredite. Só tem xarope. Qualquer pessoa que vá para lá é lucro para eles. Não foi mérito nenhum ter passado nisso.
- Acho que você está se subestimando.
- Não estou, pode acreditar. Além do mais, se eu fosse para outro lugar teria que pegar a porra de um ônibus ou metrô lotado todo santo dia. Ou ambos. Ida e volta! Teria que chegar no horário certo. Perderia três horas a mais de todos os meus dias. Pra quê? Pra ganhar quatrocentos contos a mais? Oitocentos, que seja! Eu seria extremamente infeliz. Seria sorte eu não me suicidar no primeiro mês.
- Agora já está fazendo drama.
- Não estou fazendo drama. Sou eu que tenho que aguentar aquela merda todo dia enquanto você fica em casa! Chego em casa e não posso descansar, tenho que ouvir você na minha orelha o tempo todo! Encheção de saco a noite toda! Ah, vá se foder, ok?
- Nossa, eu só estou tentando ajudar. Ajudar você a tomar um rumo definitivo na sua vida. Você sabe que eu te amo.
- Sei. Eu também te amo. Mas eu não sei, não vejo esforço de sua parte também. Sabe, existem inúmeras formas de uma mulher ganhar dinheiro, ajudar nas despesas de casa. Você tem um corpo bonito(...)
- Quê!? Um corpo bonito? Eu vou fingir que não ouvi isso.
- Ué...
- Eu não acredito nisso. Você quer que eu me prostitua!? Há, eu realmente não acredito nisso. É isso que você quis dizer!?
- Eu não sei, só estou pensando.
- Ah, vá se foder antes que eu me esqueça! Seu filho de uma puta! É isso que você acha que eu sou? A porra de uma prostituta!? Eu não acredito nisso. Imagine o que sua mãe pensaria ao ouvi-lo falar comigo dessa forma. Vá se foder, seu filho de uma puta!
- Calma, você está exagerando. Eu não quis dizer isso.
- Eu sei o que você quis dizer, não sou burra. Não venha você ainda me chamar de burra depois de tudo isso.
- Eu só acho que você poderia muito bem ajudar ao invés de só ficar no meu pé. Pode fazer algo que goste também, crochê, tricô sei la.
- Crochê? Tricô? Você tá de palhaçada.
- Eu não sei, qualquer coisa. Não sei se você sabe, mas mulheres também podem prestar concursos, se é isso que você tanto deseja.
- Eu já esqueci tudo que aprendi na escola, não tenho chance alguma, você sabe disso. Você não, você tem chance, já passou em um.
- Eu também já esqueci tudo. Acredite, todos que fizeram a prova que eu fiz foram chamados pra trabalhar lá, independentemente da nota. Foi pura sorte.
- Não sei se posso acreditar nisso. Sempre te considerei uma pessoa muito inteligente.
- Inteligência não tem nada a ver com isso. Você precisa ser um bitolado pra passar nessas merda de concurso. Um retardado, débil mental sem vida. Eu não tô com cabeça agora pra isso, sinceramente. Precisaria de meses ou anos de cursinho para ter alguma chance. Acredite!
- Eu te amo.
- Eu também te amo. Desculpe se te ofendi. Eu não quis dizer(...)
- Eu sei o que você quis dizer, mas tudo bem. Não falemos mais nisso. Você está com fome? Quer que eu prepare algo?
- Se estou! O que temos?
- Ovo.
- Ovo de novo?
- Pois é.

domingo, 15 de maio de 2011

Estupre sua mãe

Vinte e duas horas e quarenta e três minutos.
- Você viu no Datena?
- O quê?
- Aquele cara que abusou da filha.
- Ah.
- Viu?
- Li algo por cima na internet.
- E então?
- Então o quê?
- Que me diz?
- Que me diz o quê?
- O cara que abusou da filha. Também acha que ele merece uma vida digna na prisão, que alimentem o filho da puta com nosso dinheiro suado? O meu dinheiro, o seu dinheiro, o do cara que não consegue chegar em casa a tempo de dar um beijo de boa noite no filho com ele ainda acordado?
- Ah, você ainda tá nisso.
- É, eu ainda tô nisso, não era disso que a gente tava falando?
- Ok, podemos continuar nesse assunto se é o que você deseja.
- E então?
- O quê?
- Você tá chapado ou o quê? Perguntei se você acha que o filho da puta merece(...)
- Ele não teve escolha.
- Ahn?
- O cara que abusou da filha.
- Eu sei, o cara que abusou da filha. O que você disse de não ter escolha?
- O cara era um xarope, estou certo de que foderam com a cabeça dele quando ele era pequeno ou qualquer merda assim.
- E isso pra você isso justifica?
- A questão não é justificar, o cara não quis isso. O cara é isso!
- Isso o quê?
- Jorjão, traz mais uma!
- O cara é isso o quê?
- O cara é louco, a merda já tá feita, de que vai adiantar torturar o cara, fazer ele comer merda e o caralho a quatro? A filha do cara não vai melhorar em nada com isso. Isso não é justiça, é vingança!
- Tá, mas o quê você disse que ele não teve escolha?
- Ninguém opta por abusar da filha. O cara era xarope, você nunca vai entender porque sempre levou uma vida normal, sempre foi mimado por seus pais, teve tudo que queria.
- Ok. Você tá me dizendo que o pai abusava dele quando pequeno e por isso ele teve que fazer o mesmo com a filha?
- Eu não sei se o pai abusava dele, pode ser! Apenas sei que alguém fodeu com a cabeça dele, provavelmente quando ainda era pequeno.
- E fica por isso mesmo então?
- Você quer o quê? Ok, você quer torturar o cara, você tá com raiva, você e todas as senhoras que assistem o Datena. Querem cortar o saco do cara fora.
- Você disse que o cara não teve escolha!
- De certa forma ninguém tem escolha.
- O cara não tinha a escolha de engolir o rancor que tinha do pai, procurar um psicólogo, tomar remédios, qualquer merda? Ele tinha que abusar da filha? Única opção?
- Você acha que você tem alguma escolha?
- Do que você tá falando? Não vai dizer que tu acredita em destino, signo, essas merda? Vá se foder.
- Não esse tipo de destino que você está acostumado a ouvir.
- Ah, claro. Qual então?
- Estupre a sua mãe.
- Quê?
- Estupre a sua mãe.
- Que estupre a mãe, que porra é essa?
- Você não está me dizendo que tem escolhas? Me prove, estupre a sua mãe!
- Vá se foder, quem é que vai estuprar a mãe?
- Exatamente! Ninguém com uma criação normal vai fazer isso. Ninguém escolhe, é uma coisa biológica!
- Pff...
- Na verdade ninguém escolhe nada, é tudo física, ação e reação. Tu só tá aqui bebendo e falando comigo por causa de uma serie de eventos que de certa forma te “obrigaram” a estar aqui.
- Cala a boca, isso eu posso te provar. Quer que eu saia agora e vá pra casa? Eu tenho a escolha!
- Não é assim que funciona. Se acontecer de você se levantar e ir pra casa é porque a discussão chegou a esse ponto em que você se sentiu desafiado. E só vai levantar e ir embora por isso. Pra tentar me provar uma coisa, mas não vai conseguir provar nada, só vai confirmar o que eu to tentando te falar o tempo todo. Ninguém escolhe. O livre arbítrio é uma ilusão.
- O livre arbítrio é uma ilusão...
- O livre arbítrio é uma ilusão!
- E se eu te der um soco?
- Só vai tar dando porque estamos falando sobre isso. Mas eu sei que você não vai dar.
- Ah não?
- Você pode até me dar um soco no braço, qualquer merda assim. Não daria um soco na cara pra me nocautear. Pra você ver como o ser humano é previsível. AI CARALHO, SAI FORA!
- Talvez eu esteja te entendendo um pouco. Mas acho meio furado.
- Me mostre um cara que foi abusado quando pequeno que te mostro um cara com tendência a abusar de crianças maior do que a media da população.
- Talvez faça sentido.
- Me mostre um padre que te mostro um pedófilo.
- Haha.
- Zoeira. Mas a ideia é essa.
- Ok. Mas e daí?
- O quê?
- E pra que serve tudo isso? Digo, de que serve saber tudo isso?
- De nada.
- Legal.
- Tem uma comunidade no orkut que os caras falam sobre isso, depois te passo o link se você quizer. É uma teoria antiga, não lembro o nome do cara agora. Um filósofo.
- Manda, vou ler essa merda toda com calma e te provar que você tá falando merda.
- Achei que você tinha dito que estava começando a entender.
- Me manda lá, depois te falo, não aguento mais essa merda.
- Beleza.
- Aproveita e manda aquelas fotos da Patrícia que tu tá embaçando pra passar já tem mais de três semanas. Sabe do que eu tô falando, né?
- Haha, vá se foder.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Horário de almoço

Allan não suportava hippies do centro pondo em dúvida sua humildade.
Sentado no chão com suas pequenas tralhas à venda, organizadas em cima d'um pano verde encardido, um deles convida:
- Cabelo, chega ae!
- Desculpa, tenho que ir lá... – diz andando a passos lentos.
- Pô, chega aeee! – fala expressando indignação, rosto de criança prestes a chorar.
- Pô, não dá, cara. Desculpa, tenho que ir lá...
Olha nos olhos do vagabundo, abre e mostra as palmas das mãos tentando demonstrar compaixão e pressa.
- Aahh, chega aeeeeeeeee, bicho... – e a expressão vai aos poucos se transformando num sorriso triste.
Allan continua mostrando as palmas das mãos e comprimi os lábios como forma de dizer “É uma pena, quem sabe outra hora”.
O sorriso triste vira sorriso. O sorriso vira risada. Então riem juntos como velhos amigos passando por alguma situação estúpida.
Allan segue seu caminho sentindo-se de certa forma mais feliz. A raça humana tem lá suas preciosidades.
Olha no relógio e sobe a rampa final da Av. São João pensando que ainda tem uns doze minutos de horário de almoço para gastar e que provavelmente os passará sentado no sofá do Protocolo Geral.