quinta-feira, 30 de junho de 2011

dias iguais

passo pela porta de entrada às dez e dezesseis
dou bom dia à moça da portaria
dou bom dia ao segurança
aperto o botão do elevador
nenhuma luz verde acende
e logo paira a dúvida
“apertei o botão forte o bastante?”.

novamente atrasado
pontualmente atrasado.
aperto outra vez e aguardo de mochila nas costas
sempre bate uma leve impaciência.

quando entro aperto o sétimo
quando saio passo pelo corredor
e dou de cara com minha porta trancada.
é raro, mas as vezes sou o primeiro a chegar.
aí tenho que tirar a mochila e buscar a chave.

meus dedos nunca parecem suficientemente hábeis.
por um instante odeio aquela chave minúscula
que se esconde naquele minúsculo bolso lateral.

meu horário é às nove
às dez e dezenove a porta está aberta.
mal guardo a mochila no armário
um dos telefones começa a tocar
não atenderei dessa vez.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Polícia

            Eu tenho essa mania de andar o mais rápido possível pelas ruas do Centro. Sou bom nisso, de verdade. Desvio de multidões. Trabalhadores, velhas, pastores, vendedores, mendigos, panfleteiros e tantos outros. Fico meio impaciente pensando no tempo de vida que se perde se locomovendo. Uma vez li uma matéria que calculava quanto tempo a gente perde fazendo coisas banais, tipo escovar os dentes, pegar o elevador, encher um copo d'água. Já parou pra pensar que a gente passa uns dez anos da vida enchendo a porra dum copo d'água? É deprimente. 
            Tem vezes que eu começo a contar quantas pessoas eu ultrapasso quando estou andando rápido na rua. Isso me dá a sensação de que aproveito minha vida muito melhor do que todas elas. Imagino que com a soma de todos os minutos diariamente economizados dá tempo de ler um livro inteiro. Ou muitos livros inteiros. Depende de quantos dias a gente vai levar em consideração no cálculo. Mas eu nunca contabilizo nada direito. Começo a contar quando já estou na metade do caminho e paro de repente porque esqueço, começo a pensar em outra coisa ou algo do tipo.
            Uma coisa que me irrita profundamente é quando você está na rua andando o mais rápido possível e então tem que diminuir o passo porque duas velhas te fecham. Geralmente são baixas e estão acima do peso. E geralmente cada uma leva uma sacola horrível e colorida em uma das mãos. Após te fecharem elas começam a andar devagar. Vão andando, andando, devagar, devagar, parando, parando e então param. Puta merda, isso me irrita. Acho que eu preferia que elas tivessem um ataque cardíaco e caíssem de canto no meio fio. Assim eu poderia seguir viagem num ritmo decente. Não que elas fossem más pessoas nem nada do tipo, mas aquilo de andar devagar e parar me irritava profundamente.
            Pois bem, lá ia eu andando rápido pra diabo, com gente lerda atrás, na frente e dos lados. Pode não parecer, mas o lance da ultrapassagem exige uma certa habilidade. Você faz cálculos o tempo todo. Coisa de tempo e espaço. Claro que é um lance mais instintivo e tal, mas não deixa de ser uma habilidade. O que aconteceu é que num determinado momento as lesmas na minha frente eram dois policiais militares. E eu tava meio cansado. Não tava me concentrando cem por cento na coisa dos cálculos. Eis que dou um pisão na parte traseira da bota de um deles. Podia ter pisado em alguma velha, mendigo ou qualquer outro, mas foi justo na porra do guarda. E foi um baita dum pisão, acertou em cheio mesmo. Se ele estivesse de tênis o pé teria saído pra fora, tenho certeza. Talvez eu até desejasse aquilo no subconsciente ou algo assim. Ter dado o pisão, eu digo. Não gosto muito de policiais. Só sabem encher o saco dos outros e se acham superiores. Eu preferia mil vezes um dia vir a me tornar um ladrão de bancos do que a porra dum policial. Nunca vi nenhum ladrão de banco encher o saco de ninguém. Vai lá, faz o serviço dele e pronto. Ninguém sai prejudicado. Na verdade o banco sai levemente prejudicado, mas precisa ser muito imbecil pra ter alguma pena desses filhos da puta. A polícia é paga pra encher o saco.
            - Foi mal - falei timidamente após o pisão e continuei a andar. Houve então um silêncio que durou pouco.
            - Vem aqui e se desculpe como homem, moleque - foi o que o filho da puta disse. Em voz alta. Acho que todas as velhas, pastores e panfleteiros pararam pra olhar em nossa direção. Ele realmente não precisava ter feito aquilo.
            - Vai tomar no cu! - disse eu então.
            Não sei porque eu disse aquilo. Vai ver foi simplesmente porque eu tava meio cansado e não gostei nem um pouco daquela reação escrota dele. Na hora pareceu um lance bastante corajoso e tal, o pessoal ficou impressionado. Tenho certeza que ficou. Era um cara moreno de físico respeitável. Devia ser meio metro mais alto do que eu. Usava um cabelo igual ao de qualquer policial. Mas qualquer impressão de coragem que eu tenha deixado durou pouco. Vi o guarda fazer menção de me pegar, me prender, me bater, sei lá eu, e disparei pela Rua São Bento. Saí correndo feito um maluco mesmo, de verdade.
            Tive que usar minhas habilidades mais do que nunca. Andar rápido naquela joça entupida de gente já era complicado, imagina correr alucinadamente. Mas até que não me saí mal. Modéstia à parte, me saí muito bem. Não cheguei a dar nem um esbarrão em ninguém, de vez em quando eu encostava com a mão no ombro ou no braço de alguém pra ter melhor noção de espaço e indicar à pessoa que eu estava imediatamente atrás dela e ela devia então se afastar levemente ou no mínimo ficar onde estava e não me fechar. Desviei de um, dois, três, velha, padre, pedinte, desviei da caralhada toda. Aí aconteceu um lance meio chato. Tinha um cara que era anão e meio aleijado. Se locomovia sentado num skate, empurrando o chão com a mão. Ele tava bem no meio da rua, mas acontece que só fui ver ele a um metro dos meus pés. Não deu tempo de desviar nem nada, só dei um pulo por cima da cabeça do anão e por pouco não acerto o coitado com a sola do tênis. Aterrissei meio desequilibrado no chão e continuei correndo. Puta merda, a rua inteira me olhava como se eu fosse um maluco. Ainda bem que não acertei o coitado. Ele podia ter se esborrachado no chão ou algo do tipo. Aquilo teria me deixado deprimido pra diabo.
            Por fim resolvi virar na segunda rua à esquerda pra despistar os guardas. Mas antes disso dei uma olhada pra trás pra ver a que distância eles estavam. Os dois iam andando tranquilamente quase no mesmo lugar em que comecei a correr. Não deu pra ver direito, mas me pareceu que o que eu acertei o pisão estava até sorrindo. Olhando em minha direção. Filho da puta. Deve ter se esbaldado. Polícia é uma merda.
            Depois que entrei nessa outra rua, diminuí o passo. Uma espécie de mendigo barbudo, de casaco verde surrado veio andando rápido em minha direção. Ele me encarava. Arregalou os olhos e soltou um grito esganiçado, parando bem na minha frente. Levantei a guarda no reflexo. Minha adrenalina ainda estava meio alta e achei que aquilo tivesse alguma relação com o evento do pisão no guarda. Quando vi que ele não fazia mais nada, além de ficar lá parado me olhando com os olhos arregalados, baixei a guarda e continuei andando, pensando em qual rua viraria para despistar de vez os tiras sem desviar muito do meu caminho.

domingo, 12 de junho de 2011

Uma última vez – Parte I

O corpo estava lá. Morto. Sem vida. Branco. Muito mais branco. Quase verde. Mas linda. Ainda linda. Cabelos longos, lisos, loiros. Pensou em beijá-la e entrar nela uma última vez. “Não”. Um beijo no rosto e outro na testa. Foi tudo que fez.
Era o último contato. Aquilo tudo iria sumir. Pra sempre. Aquilo tudo deveria sumir. “Como?” Era melhor pensar rápido.
A cadeia devia ser uma merda. A cadeia no Brasil devia ser uma puta de uma merda. Em outros lugares não. Devia ser até legal. Europa. Noruega. Mas no Brasil, pff.
Foi o momento que mais desejou ter um diploma. Curso superior. Ainda existia esse benefício? Cela especial? Ouvira falar certa vez que a mordomia iria acabar. “Será que já acabou? Pouco importa. Não fiz essa merda”.
Cagar na frente dos outros. Limpar-se na frente dos outros. Esperar todos dormirem pra bater uma. Por mais terrível que fosse tudo isso, nada seria pior que mijar na frente dos outros. Simplesmente porque travava. Podia estar com a bexiga explodindo. Se tivesse alguém do lado não mijava. Não tinha jeito. Era o inferno. Seria o inferno. Tinha que se livrar dela logo.
Por onde começar? Teria o google a resposta? “Como se livrar de um corpo sem deixar pistas”. Hoje em dia tinha tudo na porra da internet. Mas isso? Não, impossível. Demoraria muito pra achar algo realmente serio. E mesmo que achasse, se a polícia investigasse a fundo seu computador ia ser a coisa mais ridícula da história. Imagina a manchete no jornal: “ASSASSINO PESQUISA NO GOOGLE MELHOR FORMA DE SE LIVRAR DO CORPO DA NAMORADA”. Puta que o pariu.
Mas a polícia não devia ser tão fodona quanto a TV dizia. Aquilo provavelmente só servia pra amedrontar as pessoas. Alguém já ouviu falar em polícia colhendo e identificando impressão digital no mundo real? Mas nem fodendo (Só pra constar, programa do Datena não é mundo real). Coisa de filme americano. Depois o Datena copiou.
Em quanto tempo um corpo começa a cheirar mal? Em quanto tempo os vizinhos sentiriam? Seria possível vedar as portas e janelas para que nenhum odor saísse dali? Passar um “bom ar”?
Tudo seria mais fácil se morasse numa casa. Sumir com um corpo num apartamento, com gente em cima, em baixo e dos lados era de foder. Por sorte passou a vida ouvindo música quase no talo sem que nenhum vizinho reclamasse. Isso era bom. Ia precisar fazer algum barulho. Lembrava-se de quando ia dormir no apartamento de amigos quando era criança. Qualquer peido que você desse depois das vinte e duas horas era reclamação na certa.
Ela não tinha família, não tinha amigos, não tinha emprego. Quem daria conta da falta dela? Mas era gostosa. Tinha aquelas olheiras eternas, aqueles lábios rachados, mas um puta rabo. Era o suficiente. Algum filho da puta com certeza daria pela falta dela. Do rabo dela.
Então seus pensamentos se dividiram, no melhor estilo Gollum. Aquilo acontecia no mundo real.
- Ok, que eu faço?
- Calma.
- Fodeu.
- Calma.
- Tá, calma.
- O ideal seria triturá-la. Fazer uma vitamina de tudo e despejar descarga abaixo. Seria perfeito.
- Pois é, mas esse liquidificador não mói nem gelo direito, que dirá ossos.
- É. Também não daria muito certo passar 24 horas com ele ligado, chamaria um pouco a atenção dos vizinhos.
- Pois é. Fodeu.
- Calma.
- Será que rola dar descarga pedaço por pedaço? Dedo por dedo, orelha por orelha(...)
- Se essa merda entupir fodeu.
- (...)olho por olho, dente por dente(...)
- Como vai fazer com a cabeça, pernas? Fêmur. Fêmur é complicado.
- Puta merda, nem me fale.
- E o tronco? As tripas, intestino, estômago, esôfago?
- Esôfago?
- É, pâncreas, tudo isso. Vai ser uma bela sujeira, acha que vai ter sangue frio o suficiente?
- Isso vai levar tempo.
- Tú só tem faca de requeijão! Como vai fazer essa porra?
- Tem umas de serrinha aí também. Qual será a que minha mãe usava pra cortar frango? Acho que é um machadinho, tipo de açougueiro.
- Machadinho?
- Uma parada de açougueiro, não sei o nome. Deve servir. Espero que esteja afiado.
- Espero que você encontre.
- Em quanto tempo isso vai feder?
- Não sei, dois, três dias? É melhor ficar acordado, lutamos contra o tempo. Uns energéticos cairiam bem.
- É, depois eu compro.
- E então. Como vai fazer?
- Acho que precisamos de outro plano.
- Também acho. Leve-a para outro cômodo, não vai dar certo trabalhar na sala, vai ser uma bela sujeira!
- É.
Arrastou-a pelo corredor segurando pelos antebraços. Abriu a porta do banheiro. Levou-a para baixo do chuveiro, ajeitou-a cuidadosamente sentada no chão com as costas apoiadas na parede. Tirou uma mecha de cabelo de seus olhos. Levantou-se e se deu conta que precisava cagar. Estava ansioso, não queria perder nenhum minuto. Saiu do banheiro, deu cinco passos no corredor tentando se concentrar, esperando que a vontade passasse. Não passou. “Merda”. Foi para a privada. Abaixou as calças. Sentou.
- Temos que tirá-la daqui.
- De acordo.
- Poderíamos dividir em cinco partes. Cabeça, tronco e membros. Duas pernas, dois braços...digo, seis partes!
- E então?
- Então damos um jeito de tirar ela daqui. Acho que a cabeça e os braços cabem numa mochila comum. Não sei se as pernas caberiam junto, acho que não. Se não couber colocamos separadas em outra mochila comum. O tronco deve caber numa mala dessas de viagem. Ela tem o quê, sessenta quilos? Sem pernas, braços e cabeça, hmmm...quarenta quilos, quarenta e cinco talvez?
- Não sei, merda! Assassinos profissionais são pegos o tempo todo, eu não sei nem se vai sangrar quando eu começar a cortar, nunca cortei um maldito bife cru! Tô fodido!
- Calma! Talvez sangre um pouco, talvez. Precisamos de plástico, muito plástico! Ou melhor, aqueles sacos pretos de lixo. E barbante! Anota ae!
- Ok, terminando aqui eu anoto. Energéticos, barbante e sacos de lixo.
- Preto!
- Claro, preto(...)
- Quantas mochilas temos? Temos umas malas de viagem também, né? Acho que não precisaremos comprar nada disso.
- É.
- Mas uma ajuda para transportar as malas carregadas iria bem. Conhece alguém de confiança?
- Não.
Terminou de cagar, mas ficou ali sentado. De onde estava dava para ver apenas as pernas dela. Nuas. Esticou o pescoço e viu um pouco mais. Viu suas coxas. Brancas, lisas, perfeitas e a parte lateral de sua bunda enorme. Ficou excitado. Limpou-se, subiu as calças, deu a descarga. Lavou as mãos. Secou. Foi até ela. Novamente arrumou uma mecha de  cabelo que caia em seu rosto. Tocou um de seus seios. Abaixou-se e apalpou-o melhor. Sentiu-se inquieto. Seu pau latejava. Estava prestes a estourar a calça. Lambeu e chupou o mamilo de seu seio esquerdo. Era o seu favorito.
- Ah, que se foda! Uma última vez.
Levantou-se, tirou a camiseta, deixou em cima da máquina de lavar. Tirou a calça e a cueca, chutou ambas para o canto do chão. Pensou em como faria. Pegou-a por debaixo dos braços, e começou a levantá-la. Ela escorregou de suas mãos, batendo com a cabeça na parede. “Merda!” O peso era muito maior do que esperava. Chegou mais perto, abaixou-se melhor e conseguiu levantá-la. Encostou-a com as costas na máquina. Tentou, mas não conseguiu penetrá-la. Seus joelhos ficavam se dobrando e ela despencava para frente e para baixo. Pensou em como aquilo seria dez vezes mais fácil de ser realizado na cama. Mas por algum motivo achava essa ideia inconcebível. Que tipo de pervertido comeria uma pessoa morta na cama?
Sentou na privada e acomodou-a em seu colo. A ereção continuava a mesma. Finalmente conseguiu encaixar. Ela continuava maravilhosa. Aconchegante e por incrível que pareça, molhada. Estava gelada e ele gostou daquilo. Era diferente. Agarrou sua bunda com força com as duas mãos. Deu quatro, cinco, seis bombadas e desistiu novamente da posição.
Deitou-a de costas no chão e encaixou novamente. O chão estava frio e bastante úmido. Seus joelhos contra ele doíam, mas de certa forma também gostava disso. Fechou os olhos e continuou. Beijou-a apaixonadamente. Meteu, meteu. Estava um pouco nervoso e depois de sete minutos gozou. Respirou. Pensou em desculpar-se mas logo se deu conta da idiotice que seria aquilo.
Levantou-se. Puxou um pedaço de papel higiênico e limpou o pau. Jogou o papel na privada e não deu descarga. Puxou a garota para baixo do chuveiro novamente e arrumou-a sentada na mesma posição que estava antes. Vestiu-se.
- Vamos mesmo cortá-la em pedaços?
- Tem ideia melhor?
- Acredito que depois que a cortarmos o processo de decomposição vai acelerar. Seria bom se já tivéssemos todos os passos seguintes cuidadosamente planejados pra não perdermos tempo depois.
- Precisamos dar um jeito de jogá-la em alto mar. É a melhor saída.
- Alto mar!?
- É, você tem noção do tamanho do oceano? É grande pacaralho, bicho! Se dermos um jeito de amarrar uns pesos e jogá-la bem fundo(...)
- Mas(...)
- É infalível, confia, tô falando! Eu vi n’os Sopranos. Sempre que o Tony(...)
- Eu sei caralho, também vi os Sopranos! Mas o Tony tinha uma lancha, iate ou coisa assim se não me falha a memória. Como caralho eu vou chegar em alto mar com a porra de um corpo e cheio de peso extra?
- Dá-se um jeito.
- Que jeito? Nem carro eu tenho. Sugere que eu pegue um busão pra Santos sozinho com três malas cheias de pedaços humanos em sacos de lixo preto?
- Amarrados com barbante.
- Que seja.
- Você pode ir comendo laranja durante o trajeto!
- Quê?
- Conheci um cara que uma vez tava voltando do Rio pra São Paulo de ônibus. Ele levava maconha numa mochila. Muita maconha! E segundo ele, era um tipo de maconha que vem mais solta que o normal e sobe uma marola dos infernos. Tudo certo, até que em uma parada um policial entrou e sentou no banco exatamente ao seu lado. Ele, como era de se esperar, gelou. Ficou lá sentado torcendo pra chegar logo e tentando não demonstrar que estava se borrando. Alguns longos minutos se passaram até que em uma outra parada ele teve a genial ideia de descer e comprar meia dúzia de laranjas de um ambulante. Voltou pro seu lugar, tirou uma faquinha da mochila e seguiu descascando e comendo as laranjas durante todo o restante do trajeto. O cheiro de laranja empesteou o ambiente e ele seguiu sua vida despreocupadamente.
- Tá, caralho, eu vou comendo a porra da laranja! Mas e o resto? Como vou levá-la sozinho no metrô, no ônibus e na porra de um barco que não faço a mínima ideia de onde encontrar, nem de como funciona? Em três malas, com peso extra(...)
- Acho que o peso você poderia comprar por lá.
- Tem razão. Umas correntes de ferro, né? Algo assim?
- É! Ah, acho que seria bom você arrancar ao menos todas as peles da ponta dos dedos dela. E todos os dentes. E jogar descarga abaixo. Vai dificultar bastante o reconhecimento do corpo caso algo dê errado. Pode fazer isso agora até. Essa parte não vai causar grandes estragos.
- Boa!
Foi até a cozinha procurar uma faca que servisse para realizar a tarefa imediatamente. Acendeu a luz. Abriu uma gaveta e só viu panos de prato. Algumas baratas correram. Abriu a próxima gaveta, começou a remexer os talheres e tomou um susto. Trililirililirilriiliiim. Soou o interfone na cozinha. Trililirililirilriiliiim. “Merda” pensou. Trililirililirilriiliiim. “Fodeu” pensou. Trililirililirilriiliiiiim.
- Alô.
- É...Tiago?
- Eu.
- Tiago, tem um senhor aqui que diz que é da polícia querendo subir aí.
- (...)
- Tiago?
- Oi, alô!
- Tem um senhor aqui da polícia querendo subir aí.
- Ah, ãhm...tudo bem. Pode subir.
- Falou.
- Falou.
No mundo real o porteiro anunciava a polícia pelo interfone.

Continua...