sexta-feira, 24 de junho de 2011

Polícia

            Eu tenho essa mania de andar o mais rápido possível pelas ruas do Centro. Sou bom nisso, de verdade. Desvio de multidões. Trabalhadores, velhas, pastores, vendedores, mendigos, panfleteiros e tantos outros. Fico meio impaciente pensando no tempo de vida que se perde se locomovendo. Uma vez li uma matéria que calculava quanto tempo a gente perde fazendo coisas banais, tipo escovar os dentes, pegar o elevador, encher um copo d'água. Já parou pra pensar que a gente passa uns dez anos da vida enchendo a porra dum copo d'água? É deprimente. 
            Tem vezes que eu começo a contar quantas pessoas eu ultrapasso quando estou andando rápido na rua. Isso me dá a sensação de que aproveito minha vida muito melhor do que todas elas. Imagino que com a soma de todos os minutos diariamente economizados dá tempo de ler um livro inteiro. Ou muitos livros inteiros. Depende de quantos dias a gente vai levar em consideração no cálculo. Mas eu nunca contabilizo nada direito. Começo a contar quando já estou na metade do caminho e paro de repente porque esqueço, começo a pensar em outra coisa ou algo do tipo.
            Uma coisa que me irrita profundamente é quando você está na rua andando o mais rápido possível e então tem que diminuir o passo porque duas velhas te fecham. Geralmente são baixas e estão acima do peso. E geralmente cada uma leva uma sacola horrível e colorida em uma das mãos. Após te fecharem elas começam a andar devagar. Vão andando, andando, devagar, devagar, parando, parando e então param. Puta merda, isso me irrita. Acho que eu preferia que elas tivessem um ataque cardíaco e caíssem de canto no meio fio. Assim eu poderia seguir viagem num ritmo decente. Não que elas fossem más pessoas nem nada do tipo, mas aquilo de andar devagar e parar me irritava profundamente.
            Pois bem, lá ia eu andando rápido pra diabo, com gente lerda atrás, na frente e dos lados. Pode não parecer, mas o lance da ultrapassagem exige uma certa habilidade. Você faz cálculos o tempo todo. Coisa de tempo e espaço. Claro que é um lance mais instintivo e tal, mas não deixa de ser uma habilidade. O que aconteceu é que num determinado momento as lesmas na minha frente eram dois policiais militares. E eu tava meio cansado. Não tava me concentrando cem por cento na coisa dos cálculos. Eis que dou um pisão na parte traseira da bota de um deles. Podia ter pisado em alguma velha, mendigo ou qualquer outro, mas foi justo na porra do guarda. E foi um baita dum pisão, acertou em cheio mesmo. Se ele estivesse de tênis o pé teria saído pra fora, tenho certeza. Talvez eu até desejasse aquilo no subconsciente ou algo assim. Ter dado o pisão, eu digo. Não gosto muito de policiais. Só sabem encher o saco dos outros e se acham superiores. Eu preferia mil vezes um dia vir a me tornar um ladrão de bancos do que a porra dum policial. Nunca vi nenhum ladrão de banco encher o saco de ninguém. Vai lá, faz o serviço dele e pronto. Ninguém sai prejudicado. Na verdade o banco sai levemente prejudicado, mas precisa ser muito imbecil pra ter alguma pena desses filhos da puta. A polícia é paga pra encher o saco.
            - Foi mal - falei timidamente após o pisão e continuei a andar. Houve então um silêncio que durou pouco.
            - Vem aqui e se desculpe como homem, moleque - foi o que o filho da puta disse. Em voz alta. Acho que todas as velhas, pastores e panfleteiros pararam pra olhar em nossa direção. Ele realmente não precisava ter feito aquilo.
            - Vai tomar no cu! - disse eu então.
            Não sei porque eu disse aquilo. Vai ver foi simplesmente porque eu tava meio cansado e não gostei nem um pouco daquela reação escrota dele. Na hora pareceu um lance bastante corajoso e tal, o pessoal ficou impressionado. Tenho certeza que ficou. Era um cara moreno de físico respeitável. Devia ser meio metro mais alto do que eu. Usava um cabelo igual ao de qualquer policial. Mas qualquer impressão de coragem que eu tenha deixado durou pouco. Vi o guarda fazer menção de me pegar, me prender, me bater, sei lá eu, e disparei pela Rua São Bento. Saí correndo feito um maluco mesmo, de verdade.
            Tive que usar minhas habilidades mais do que nunca. Andar rápido naquela joça entupida de gente já era complicado, imagina correr alucinadamente. Mas até que não me saí mal. Modéstia à parte, me saí muito bem. Não cheguei a dar nem um esbarrão em ninguém, de vez em quando eu encostava com a mão no ombro ou no braço de alguém pra ter melhor noção de espaço e indicar à pessoa que eu estava imediatamente atrás dela e ela devia então se afastar levemente ou no mínimo ficar onde estava e não me fechar. Desviei de um, dois, três, velha, padre, pedinte, desviei da caralhada toda. Aí aconteceu um lance meio chato. Tinha um cara que era anão e meio aleijado. Se locomovia sentado num skate, empurrando o chão com a mão. Ele tava bem no meio da rua, mas acontece que só fui ver ele a um metro dos meus pés. Não deu tempo de desviar nem nada, só dei um pulo por cima da cabeça do anão e por pouco não acerto o coitado com a sola do tênis. Aterrissei meio desequilibrado no chão e continuei correndo. Puta merda, a rua inteira me olhava como se eu fosse um maluco. Ainda bem que não acertei o coitado. Ele podia ter se esborrachado no chão ou algo do tipo. Aquilo teria me deixado deprimido pra diabo.
            Por fim resolvi virar na segunda rua à esquerda pra despistar os guardas. Mas antes disso dei uma olhada pra trás pra ver a que distância eles estavam. Os dois iam andando tranquilamente quase no mesmo lugar em que comecei a correr. Não deu pra ver direito, mas me pareceu que o que eu acertei o pisão estava até sorrindo. Olhando em minha direção. Filho da puta. Deve ter se esbaldado. Polícia é uma merda.
            Depois que entrei nessa outra rua, diminuí o passo. Uma espécie de mendigo barbudo, de casaco verde surrado veio andando rápido em minha direção. Ele me encarava. Arregalou os olhos e soltou um grito esganiçado, parando bem na minha frente. Levantei a guarda no reflexo. Minha adrenalina ainda estava meio alta e achei que aquilo tivesse alguma relação com o evento do pisão no guarda. Quando vi que ele não fazia mais nada, além de ficar lá parado me olhando com os olhos arregalados, baixei a guarda e continuei andando, pensando em qual rua viraria para despistar de vez os tiras sem desviar muito do meu caminho.

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