domingo, 12 de junho de 2011

Uma última vez – Parte I

O corpo estava lá. Morto. Sem vida. Branco. Muito mais branco. Quase verde. Mas linda. Ainda linda. Cabelos longos, lisos, loiros. Pensou em beijá-la e entrar nela uma última vez. “Não”. Um beijo no rosto e outro na testa. Foi tudo que fez.
Era o último contato. Aquilo tudo iria sumir. Pra sempre. Aquilo tudo deveria sumir. “Como?” Era melhor pensar rápido.
A cadeia devia ser uma merda. A cadeia no Brasil devia ser uma puta de uma merda. Em outros lugares não. Devia ser até legal. Europa. Noruega. Mas no Brasil, pff.
Foi o momento que mais desejou ter um diploma. Curso superior. Ainda existia esse benefício? Cela especial? Ouvira falar certa vez que a mordomia iria acabar. “Será que já acabou? Pouco importa. Não fiz essa merda”.
Cagar na frente dos outros. Limpar-se na frente dos outros. Esperar todos dormirem pra bater uma. Por mais terrível que fosse tudo isso, nada seria pior que mijar na frente dos outros. Simplesmente porque travava. Podia estar com a bexiga explodindo. Se tivesse alguém do lado não mijava. Não tinha jeito. Era o inferno. Seria o inferno. Tinha que se livrar dela logo.
Por onde começar? Teria o google a resposta? “Como se livrar de um corpo sem deixar pistas”. Hoje em dia tinha tudo na porra da internet. Mas isso? Não, impossível. Demoraria muito pra achar algo realmente serio. E mesmo que achasse, se a polícia investigasse a fundo seu computador ia ser a coisa mais ridícula da história. Imagina a manchete no jornal: “ASSASSINO PESQUISA NO GOOGLE MELHOR FORMA DE SE LIVRAR DO CORPO DA NAMORADA”. Puta que o pariu.
Mas a polícia não devia ser tão fodona quanto a TV dizia. Aquilo provavelmente só servia pra amedrontar as pessoas. Alguém já ouviu falar em polícia colhendo e identificando impressão digital no mundo real? Mas nem fodendo (Só pra constar, programa do Datena não é mundo real). Coisa de filme americano. Depois o Datena copiou.
Em quanto tempo um corpo começa a cheirar mal? Em quanto tempo os vizinhos sentiriam? Seria possível vedar as portas e janelas para que nenhum odor saísse dali? Passar um “bom ar”?
Tudo seria mais fácil se morasse numa casa. Sumir com um corpo num apartamento, com gente em cima, em baixo e dos lados era de foder. Por sorte passou a vida ouvindo música quase no talo sem que nenhum vizinho reclamasse. Isso era bom. Ia precisar fazer algum barulho. Lembrava-se de quando ia dormir no apartamento de amigos quando era criança. Qualquer peido que você desse depois das vinte e duas horas era reclamação na certa.
Ela não tinha família, não tinha amigos, não tinha emprego. Quem daria conta da falta dela? Mas era gostosa. Tinha aquelas olheiras eternas, aqueles lábios rachados, mas um puta rabo. Era o suficiente. Algum filho da puta com certeza daria pela falta dela. Do rabo dela.
Então seus pensamentos se dividiram, no melhor estilo Gollum. Aquilo acontecia no mundo real.
- Ok, que eu faço?
- Calma.
- Fodeu.
- Calma.
- Tá, calma.
- O ideal seria triturá-la. Fazer uma vitamina de tudo e despejar descarga abaixo. Seria perfeito.
- Pois é, mas esse liquidificador não mói nem gelo direito, que dirá ossos.
- É. Também não daria muito certo passar 24 horas com ele ligado, chamaria um pouco a atenção dos vizinhos.
- Pois é. Fodeu.
- Calma.
- Será que rola dar descarga pedaço por pedaço? Dedo por dedo, orelha por orelha(...)
- Se essa merda entupir fodeu.
- (...)olho por olho, dente por dente(...)
- Como vai fazer com a cabeça, pernas? Fêmur. Fêmur é complicado.
- Puta merda, nem me fale.
- E o tronco? As tripas, intestino, estômago, esôfago?
- Esôfago?
- É, pâncreas, tudo isso. Vai ser uma bela sujeira, acha que vai ter sangue frio o suficiente?
- Isso vai levar tempo.
- Tú só tem faca de requeijão! Como vai fazer essa porra?
- Tem umas de serrinha aí também. Qual será a que minha mãe usava pra cortar frango? Acho que é um machadinho, tipo de açougueiro.
- Machadinho?
- Uma parada de açougueiro, não sei o nome. Deve servir. Espero que esteja afiado.
- Espero que você encontre.
- Em quanto tempo isso vai feder?
- Não sei, dois, três dias? É melhor ficar acordado, lutamos contra o tempo. Uns energéticos cairiam bem.
- É, depois eu compro.
- E então. Como vai fazer?
- Acho que precisamos de outro plano.
- Também acho. Leve-a para outro cômodo, não vai dar certo trabalhar na sala, vai ser uma bela sujeira!
- É.
Arrastou-a pelo corredor segurando pelos antebraços. Abriu a porta do banheiro. Levou-a para baixo do chuveiro, ajeitou-a cuidadosamente sentada no chão com as costas apoiadas na parede. Tirou uma mecha de cabelo de seus olhos. Levantou-se e se deu conta que precisava cagar. Estava ansioso, não queria perder nenhum minuto. Saiu do banheiro, deu cinco passos no corredor tentando se concentrar, esperando que a vontade passasse. Não passou. “Merda”. Foi para a privada. Abaixou as calças. Sentou.
- Temos que tirá-la daqui.
- De acordo.
- Poderíamos dividir em cinco partes. Cabeça, tronco e membros. Duas pernas, dois braços...digo, seis partes!
- E então?
- Então damos um jeito de tirar ela daqui. Acho que a cabeça e os braços cabem numa mochila comum. Não sei se as pernas caberiam junto, acho que não. Se não couber colocamos separadas em outra mochila comum. O tronco deve caber numa mala dessas de viagem. Ela tem o quê, sessenta quilos? Sem pernas, braços e cabeça, hmmm...quarenta quilos, quarenta e cinco talvez?
- Não sei, merda! Assassinos profissionais são pegos o tempo todo, eu não sei nem se vai sangrar quando eu começar a cortar, nunca cortei um maldito bife cru! Tô fodido!
- Calma! Talvez sangre um pouco, talvez. Precisamos de plástico, muito plástico! Ou melhor, aqueles sacos pretos de lixo. E barbante! Anota ae!
- Ok, terminando aqui eu anoto. Energéticos, barbante e sacos de lixo.
- Preto!
- Claro, preto(...)
- Quantas mochilas temos? Temos umas malas de viagem também, né? Acho que não precisaremos comprar nada disso.
- É.
- Mas uma ajuda para transportar as malas carregadas iria bem. Conhece alguém de confiança?
- Não.
Terminou de cagar, mas ficou ali sentado. De onde estava dava para ver apenas as pernas dela. Nuas. Esticou o pescoço e viu um pouco mais. Viu suas coxas. Brancas, lisas, perfeitas e a parte lateral de sua bunda enorme. Ficou excitado. Limpou-se, subiu as calças, deu a descarga. Lavou as mãos. Secou. Foi até ela. Novamente arrumou uma mecha de  cabelo que caia em seu rosto. Tocou um de seus seios. Abaixou-se e apalpou-o melhor. Sentiu-se inquieto. Seu pau latejava. Estava prestes a estourar a calça. Lambeu e chupou o mamilo de seu seio esquerdo. Era o seu favorito.
- Ah, que se foda! Uma última vez.
Levantou-se, tirou a camiseta, deixou em cima da máquina de lavar. Tirou a calça e a cueca, chutou ambas para o canto do chão. Pensou em como faria. Pegou-a por debaixo dos braços, e começou a levantá-la. Ela escorregou de suas mãos, batendo com a cabeça na parede. “Merda!” O peso era muito maior do que esperava. Chegou mais perto, abaixou-se melhor e conseguiu levantá-la. Encostou-a com as costas na máquina. Tentou, mas não conseguiu penetrá-la. Seus joelhos ficavam se dobrando e ela despencava para frente e para baixo. Pensou em como aquilo seria dez vezes mais fácil de ser realizado na cama. Mas por algum motivo achava essa ideia inconcebível. Que tipo de pervertido comeria uma pessoa morta na cama?
Sentou na privada e acomodou-a em seu colo. A ereção continuava a mesma. Finalmente conseguiu encaixar. Ela continuava maravilhosa. Aconchegante e por incrível que pareça, molhada. Estava gelada e ele gostou daquilo. Era diferente. Agarrou sua bunda com força com as duas mãos. Deu quatro, cinco, seis bombadas e desistiu novamente da posição.
Deitou-a de costas no chão e encaixou novamente. O chão estava frio e bastante úmido. Seus joelhos contra ele doíam, mas de certa forma também gostava disso. Fechou os olhos e continuou. Beijou-a apaixonadamente. Meteu, meteu. Estava um pouco nervoso e depois de sete minutos gozou. Respirou. Pensou em desculpar-se mas logo se deu conta da idiotice que seria aquilo.
Levantou-se. Puxou um pedaço de papel higiênico e limpou o pau. Jogou o papel na privada e não deu descarga. Puxou a garota para baixo do chuveiro novamente e arrumou-a sentada na mesma posição que estava antes. Vestiu-se.
- Vamos mesmo cortá-la em pedaços?
- Tem ideia melhor?
- Acredito que depois que a cortarmos o processo de decomposição vai acelerar. Seria bom se já tivéssemos todos os passos seguintes cuidadosamente planejados pra não perdermos tempo depois.
- Precisamos dar um jeito de jogá-la em alto mar. É a melhor saída.
- Alto mar!?
- É, você tem noção do tamanho do oceano? É grande pacaralho, bicho! Se dermos um jeito de amarrar uns pesos e jogá-la bem fundo(...)
- Mas(...)
- É infalível, confia, tô falando! Eu vi n’os Sopranos. Sempre que o Tony(...)
- Eu sei caralho, também vi os Sopranos! Mas o Tony tinha uma lancha, iate ou coisa assim se não me falha a memória. Como caralho eu vou chegar em alto mar com a porra de um corpo e cheio de peso extra?
- Dá-se um jeito.
- Que jeito? Nem carro eu tenho. Sugere que eu pegue um busão pra Santos sozinho com três malas cheias de pedaços humanos em sacos de lixo preto?
- Amarrados com barbante.
- Que seja.
- Você pode ir comendo laranja durante o trajeto!
- Quê?
- Conheci um cara que uma vez tava voltando do Rio pra São Paulo de ônibus. Ele levava maconha numa mochila. Muita maconha! E segundo ele, era um tipo de maconha que vem mais solta que o normal e sobe uma marola dos infernos. Tudo certo, até que em uma parada um policial entrou e sentou no banco exatamente ao seu lado. Ele, como era de se esperar, gelou. Ficou lá sentado torcendo pra chegar logo e tentando não demonstrar que estava se borrando. Alguns longos minutos se passaram até que em uma outra parada ele teve a genial ideia de descer e comprar meia dúzia de laranjas de um ambulante. Voltou pro seu lugar, tirou uma faquinha da mochila e seguiu descascando e comendo as laranjas durante todo o restante do trajeto. O cheiro de laranja empesteou o ambiente e ele seguiu sua vida despreocupadamente.
- Tá, caralho, eu vou comendo a porra da laranja! Mas e o resto? Como vou levá-la sozinho no metrô, no ônibus e na porra de um barco que não faço a mínima ideia de onde encontrar, nem de como funciona? Em três malas, com peso extra(...)
- Acho que o peso você poderia comprar por lá.
- Tem razão. Umas correntes de ferro, né? Algo assim?
- É! Ah, acho que seria bom você arrancar ao menos todas as peles da ponta dos dedos dela. E todos os dentes. E jogar descarga abaixo. Vai dificultar bastante o reconhecimento do corpo caso algo dê errado. Pode fazer isso agora até. Essa parte não vai causar grandes estragos.
- Boa!
Foi até a cozinha procurar uma faca que servisse para realizar a tarefa imediatamente. Acendeu a luz. Abriu uma gaveta e só viu panos de prato. Algumas baratas correram. Abriu a próxima gaveta, começou a remexer os talheres e tomou um susto. Trililirililirilriiliiim. Soou o interfone na cozinha. Trililirililirilriiliiim. “Merda” pensou. Trililirililirilriiliiim. “Fodeu” pensou. Trililirililirilriiliiiiim.
- Alô.
- É...Tiago?
- Eu.
- Tiago, tem um senhor aqui que diz que é da polícia querendo subir aí.
- (...)
- Tiago?
- Oi, alô!
- Tem um senhor aqui da polícia querendo subir aí.
- Ah, ãhm...tudo bem. Pode subir.
- Falou.
- Falou.
No mundo real o porteiro anunciava a polícia pelo interfone.

Continua...

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